Para ler ao som de Nara Leão
As tardes de sábado são as preferidas de Marina.
Marina sai de sua casa logo depois do almoço e caminha pela cidade em busca de novidades e aventuras.
Naquele sábado o sol brilhava em amarelo dourado diluído em àgua, dava quase pra sentir os pingos orvalhados de sol sob a pele. Sua mãe achava isso maluquices de menina e sempre dizia que Marina tinha um pé no mundo da lua.
Não muito longe da casa cor de rosa situada na rua das margaridas, havia um parque desses
ecológicos... Cheio de árvores, parquinho para garotada e um Museu. O Museu não ficava dentro do parque, afinal onde já se viu, museu dentro de parque?
Nada disso, o Museu ficava ao lado do parque ecológico e é esse o destino de Marina naquela tarde de sábado de sol orvalhado.
Um Museu antigo, como todos os museus. Cheio de salas e corredores, com cheiro de mistério e vidas alheias.
Era esse cheiro de vidas alheias que encantava Marina.
Saber que as molduras bonitas nas paredes traziam mais que meros retratos, fazia os olhos da garotinha brilharem. Saber que cada pincelada tem uma história, um motivo... fragmento de vida.
O museu não era muito grande e ela conhecia cada uma das obras ali expostas. Assim como cada um dos trabalhadores e visitantes.
Marina era muito querida naquela casa antiga, guardiã de artes e artistas. Todos esperavam sua visita com muito carinho, há quem dizia que até quadros e esculturas sorriam com sua chegada.
A menina com suas mãos pequenas, cabelos encaracolados, pele morena e um sorriso... Bem, o sorriso de Marina é daqueles arrebatador, que derrete até coração de bruxa malvada em conto de fadas. Simplesmente irresistível.
Ela traz vida ao Museu do parque (que não fica dentro do parque, mas é assim conhecido... Museu do parque) com seu jeito de criança sabida, que vê além do que está impresso, olhos atentos que desperta a atenção de quem a vê.
Marina sempre faz caminhos diferentes para ir ao museu, ela gosta do desconhecido e o cenário (ruas, caminhos, vielas) é sempre um convite a novos afetos (um senhor simpático sentado na calçada lendo jornal, uma muda de planta que ta virando árvore ou simplesmente um ninho de passarinho em "construção").
Nesse sábado, ela decidiu ir pelo parque porque ficou sabendo que estavam plantando flores novas e queria ver se eram coloridas e bonitas.
No parque ela também era conhecida, mostraram em primeira mão as flores a serem plantadas e ainda ganhou um lindo buquê de Margaridas, Lilases e flores do campo.
Chegou contentíssima no Museu e presenteou os funcionários com as flores, que foi posto em um lindo vaso antigo de cristal, no hall de entrada.
Sempre ao chegar, ela sai cumprimentando os amigos que a recebem com muita alegria e alguns mimos (uma fita de cabelo, chocolate ou lápis de cor), visita rapidamente todas as salas para dar um "oi" aos quatros, esculturas, tapeçarias e pessoas que lá estão e aí sim ela escolhe uma obra para dedicar seu tempo.
Vai até ela, a observa com toda atenção que uma menina de 9 anos pode dispor, se apresenta, pois é falta de educação querer desvendar o mistério envolto no ser, sem ao menos dizer seu nome.
Uma vez identificada ela se senta, assim mesmo no chão... pernas cruzadas igual de índio, com vestido tampando os joelhos, mãos soltas e olhar fixo.
Ela não diz nada em voz alta, porque vai incomodar os outros visitantes (ou chamar atenção, aí vão atrapalhar aquele momento tão bonito e íntimo, porque vai juntar um monte de gente envolta dela querendo saber "o que está acontecendo"), mas mantém um verdadeiro diálogo com a obra de arte (qualquer obra, seja quadro, escultura ou peça de roupa de Don Fulano de tal).
Nenhum detalhe é despercebido... é um momento em que Marina, tenta entender quem que produziu aquela peça, o que ela queria produzir, se o azul era azul ou reflexo de lua. Ela tentava restaurar a aura da obra de arte, claro que ela não sabia de nada disso, mas era exatamente isso que fazia.
Para Marina, a menina de 9 anos de sorriso arrebatador, aquilo era coisa de criança.
Querer desvendar o mistério da vida, porque quadros, são retratos da vida, não são? Era o que ouvia na televisão pelo menos... A mãe dela também vivia dizendo:
Essa menina tem cada uma, quer saber o porquê de tudo
O que ninguém contou a Marina é que a maioria das pessoas que ela via na rua, no parque, na televisão e no Museu não entendiam de quase nada daquilo que viam. Que aquelas expressões de admiração com quadros, esculturas, objetos e afins, em sua maioria eram expressões "vazias" pois não se deixavam envolver com aquele cenário.
Visitavam, sorriam, comentavam... mas ao voltar para suas casas, nada mudava.
A rotina seguia seu ritmo, o que talvez as fazia sorrir, era a lembrança da menina sentada no museu, com postura de jovem adulta, absorvida em um diálogo mudo com um quadro de moldura bonita.
A Marina que voltava para casa, nunca era a mesma que havia saído horas antes. Ela trazia consigo um universo de coisas e vidas novas.
Marina cresceu, e mesmo assim era conhecida como a moça com alma de menina, que visitava museus e conversava com flores.
Sim, seu sorriso ainda era capaz de apaziguar guerras.